quinta-feira, 28 de dezembro de 2017

Carta



“EU SÓ ACORDEI UM DIA E TIVE CERTEZA […] UMA CERTEZA QUE NUNCA TIVE COM VOCÊ.” 500 Dias com Ela.


Falar de amor também é lembrar do gosto amargo, pra apreciar ainda mais o doce.
Com o tempo a gente vai aprendendo a ser mais forte, mais flexível com os nossos sentimentos, se não faz bem então não deve ficar, e saímos correndo na primeira porta que se abre.
De você, o luto. Desta vez foi sem registro dos anos de vida juntos.
E tudo isso que se constrói pra durar mais tempo, traz em si a própria rachadura, toda a solidez guarda em si uma fenda, e essas brechas, esses cantos que parecem defeitos, que vez ou outra são escondidos dos olhos mas não do coração, eles carregam fontes de luz, são enfim a prova de nossa inevitável metamorfose, não é que algo se acabe, afinal não há um fim e um começo com tanta exatidão, você não encontra na linha infinita do tempo o dia em que algo se inicia, é um processo, uma continuidade, e que alívio isso de se pertencer, de não seguir por aí sem um endereço, nossa sina é essa, é não ter sina alguma, é não saber o que virá no amanhã, e aprender (quase que engatinhando) como achar o ritmo da respiração quando a onda te engolir, e ao engasgar, encontrar logo um jeito de transformar o sufoco em passagem pra esse novo mundo que sempre há de chegar.
Desfiz a vitrine, me tirei do cabide, andei descalço, olhei pro céu, entrei no mar, me perdi na falta do horizonte. Essa vida que não foi escrita antes da gente, mas que também não nos deixa escrever do nosso modo. Detalhes de coisas sufocantes.
Já não nos chegam os papéis em branco, estão rabiscados, com as pontas rasgadas na altura do peito, até tentamos fazer alguns remendos, mas a costura não se recompõe, e o botão não estanca a ferida.
A gente insiste, vê que a trilha só cabe um, mas aperta, encolhe, escorrega, levanta, machuca, marca, e fere.
Sabe-se dos riscos, confunde-se, talvez seja risco de vida ou de morte, lá no cume da montanha, lado a lado, e perde-se a conta de quantas vezes se sobrevive e se recupera o fôlego.
E agora, hora de descer, depois de se chegar tão alto, de acelerar o passo sem olhar pra trás, é hora de descer, passo a passo, sem você, eu sempre estive sem você, descer, com você, mas sem mim, sem nós.
Eu ainda estou aqui, mas sem você, sozinha é melhor, me desculpe... mas é.