sábado, 19 de setembro de 2015

Mas não deixando de ir...

Ana segurou tanto choro na garganta, esteve tão forte o tempo todo, mas naquele momento sentiu vontade de explodir, passou tantos dias ouvindo as histórias de outras pessoas que sofrem do mesmo diagnóstico, que sentiu a necessidade de fala sobre ela publicamente... Levantou o dedo em um gesto tímido mas muito corajoso. Naquele estado de bagunça de sentimentos, falar se tornou o ato mais heroico de seus dias.
E começou a falar sobre seus últimos dias, começou a despencar toda sua dor como uma avalanche, há dias ela andava firme para não parecer fraca, mas era necessário a humanidade, uma hora ela daria conta disso.
 "... No começo eu achei que eu não teria forças nem para sair da cama, achei que minhas pernas se quebrariam quando eu levantasse, descer pelas escadas e passar pelo corredor me dava vergonha, foi uma bagunça de sentimentos porque a principio eu sentia vergonha da doença, não sei o porquê. Eu tinha medo da dó das pessoas, tinha medo das pessoas chorarem por mim, então eu não queria contar para ninguém. Com os dias eu me sentia fraca, passava mal, "é um benigno sofredor",  mas é como se estivesse sendo castigada por algo.
Quando as pessoas acham que vão morrer elas se apegam ao cristianismo como forma de resgate e esperança, comigo foi o contrário, eu não acreditava mais, eu queria distância de qualquer forma de me aprisionar a crenças obsoletas que nos algemam nas loucuras deles.
Eu não perdi a vontade de viver, só tinha medo de se tornar maligno e não viver até o final.
O mais interessante no tumor é que eu pensava que com o tempo eu perderia os pedacinhos das minhas lembranças, mas aconteceu o contrário.. Eu comecei a lembrar de detalhes de coisas que eu nem lembrava mais, lembrava de palavras ditas no passado, de momentos muito simples sem muita importância, e comecei a dar importância a eles. Mas me mantive forte o tempo todo, todo mesmo, eu não chorava, eu sentia dores e tomava os medicamentos quieta, sem reclamar, eu não reclamava de nada.
Ainda estou com medo de morrer, mas estou aprendendo muita coisa, aprendi um valor tão grande nas crônicas do dia-a-dia, e estou aprendendo muito sobre a força, e sobre uma vida mais saudável.
Ontem eu tive uma queda, fiquei ruim, mas hoje eu estou melhor, caminhando devagar mas não deixando de ir.
Não gosto mais de ficar no escuro, odeio a noite, me deixam triste, mexem demais com minha memória. Durante o dia eu me distraio, eu trabalho, converso, rio, estudo, mas de noite eu lembro, e fico pensando, sofrendo, em silêncio.
Mas estou bem, estou viva, e vou continuar. Hoje de manhã eu comprei um pote enorme de sorvete de baunilha com macadâmia, nossa eu me esbaldei, estou muito feliz porque eu amo sorvete".

sábado, 15 de agosto de 2015

Domingos

Ainda chora, e quem não choraria?
E quem não sentiria saudades de inverno gostoso com sabor de pizzas nos domingos,
de deitar do lado esquerdo da cama, de dividir o mesmo travesseiro.
Ao final de tudo ela sabia que quando acabasse continuaria sentindo todo o gosto da ausência,
ela sabia que no final de tudo o coração iria doer, de que procuraria tanto o passado nas pessoas.

Num dia chuvoso dentro do carro, se desarmou tanto que o dia fez-se noite das mais solitárias no peito, nenhuma alma que a pudesse fazer esquecer tantos detalhes que viraram rotina da saudade.
Ela já sabia desse amargo peso que a vida é,
e que por mais que tentamos, por mais que nos sacudimos prontas para um novo dia, nunca será como antes, claro que nunca será. Mas é que as vezes passado é tão gostoso de voltar.
Tem dias que acorda e quer viver a novidade, e dias que não sai da cama e chora, e quem não choraria?

Ela só queria saber se desse passado também sobraram saudades do lado de lá, que também faz doer,
e que uma pontinha de sentimento ainda faz ele viver na memória várias e várias vezes quando não há pizzas aos domingos.
Esse cheirinho de nostalgia traz uma coleção de sentimentos, e ela conhece cada um por tantos dias que se passaram e por tantas tentativas de quebrá-los, não passa.... nunca passa, é um grande peso que talvez será mesmo eterno.

E quem não sentiria saudade de quando as coisas fazem sorrir  na memória?  Do coração saltando de alegria dos detalhes que ficaram? Em cada pulsar de saudade é tão deles, tão íntimo, tão dele, somente.

Ela sabe, acabou, já se foi, e nunca mais voltará. Mesmo que a destrua as vezes, ela ainda é forte, aprendeu a ser. Segue cheia de medos e dores, mas segue, com dias de pé e diante das escolhas feitas, e dias de choro... Mas quem não choraria?

domingo, 29 de março de 2015

O livro

Ela e ele não bastam, requer uma terceira pessoa, uma quarta, uma quinta... Quando estão ela e ele falta poesia nos dedos, nos cílios, no fôlego.  Não se bastam. São silêncio, sem entrelinhas. 
As viagens que faz não tem as mesmas janelas que as dele. As poltronas são individuais.
Até que eles se encontram em várias estações, mas não partem e chegam no mesmo intervalo. Não adianta, os caminhos se cruzam, mas não são os mesmos.
Se apaixonou pelo inexistente, apaixonou pelas linhas de várias páginas de uma impecável história.
A completa inexistência dele impede o encontro. Ela ainda está do outro lado da margem, e por mais que ele já tenha navegado, eles ainda estão distantes demais. Ele não existe na medida em que só ela existe. Ele ainda não a namora, ela ainda não deixou ele entrar. abrir a porta é o primeiro passo pra fechá-la em seguida. E para evitar o desencontro, ela evita qualquer sinal de encontro.



sábado, 17 de janeiro de 2015

Retalhos



Sou cheia de incertezas e vulnerabilidade.
A minha resistência não era tanto às flores, mas àquilo que se acabava. Ainda que eu soubesse da possibilidade permanente de plantar novas sementes, as pétalas nunca mais seriam as mesmas.
Talvez a dor seja inerente à curva. Se planejávamos seguir por aquela estrada, e agora fazemos uma curva brusca, a consequência talvez só poderia ser essa: a sensação de neblina, de futuro embaçado.
Com o tempo, até a sofrer a gente aprende.
Não é pelo seu corpo, mas é pelo corpo que é seu. Não é pela sua roupa, mas pelos panos que vestem você. Não é pela sua aparência, mas pela moldura que existe em você. Não é por nada que caiba em alguma vitrine, ou em algum período promocional, mas pela história contada pelos cílios, ancorada na pele. Vez ou outra é necessário consultar o baú das coisas que não se vão pra que a gente possa seguir em frente sem retalhos de passado espalhados pelo chão. Eu amo completamente, sem mapa, sem bússola, sem passado. Porque quando você me abraça seu coração deixa de bater só no peito e pulsa em torno do meu corpo inteiro.
Os panos que vestem o guarda-roupa são os mesmos, as janelas que dialogam com as ruas são as mesmas, as fotos guardando passados também não mudaram, as pessoas conhecidas pelo nome continuam em sua companhia, a família permanece no sangue, os livros ainda ultrapassam a pele, os sabores ainda são atraentes, as cartas não deixaram de serem escritas, o verde continua feito paisagem urbana. Os elementos são os mesmos, mas ela não é a mesma. misturaram os tijolos da construção, abalaram a estrutura, quebraram alguns pilares, surgiram outros suportes, ergueram-se novas varandas, outros ventos se apresentaram. além do palco, mudou completamente a personagem
Mas sabe... A vida tem esse poder, de nos embriagar sempre. Mantenha-se embriagada, com a sobriedade necessária para dar firmeza aos passos em meio a cordas bambas. 
Hoje brindaremos à nossa loucura permanente pelo amor! E desculpas são dispensáveis. Não pare de usar aquilo que lhe faz sentido. E que bom que o nosso encontro nos traz trocas tão bonitas, daria até pra colocar entre molduras.
Você sabe, você pode desaguar sempre em mim, a gente morre mesmo um pouquinho quando chora, mas é importante cuidar da lágrima que cai, porque se não ela volta cada vez mais forte, tal qual tempestade. É preciso cuidar muito da gente pra não nos doermos tanto. Talvez ele não tenha ido embora, talvez você se abandona com tanta frequência que falta você na relação. É você quem se rejeita, antes mesmo dele..